Discrepâncias nos resultados Atlas vs. Datafolha

As últimas pesquisas Atlas e Datafolha apresentaram tendências extremamente semelhantes na trajetória de aprovação do governo Bolsonaro, apoio ao impeachment/renúncia e nos indicadores da evolução do COVID-19 no Brasil. Ainda assim, as estimativas continuam em patamares muito diferentes. Por exemplo, a pesquisa Datafolha observou uma taxa de aprovação “Ótimo e bom” do governo federal de 33% enquanto a medição da pesquisa Atlas foi de 23%, uma diferença de 10 pontos percentuais.

Segue uma análise conduzida pela Atlas sobre as origens das diferenças de nível entre as pesquisas. Datafolha eliminou os dados referentes à distribuição amostral do voto passado da sua primeira pesquisa de abril (o relatório divulgado inicialmente foi alterado) e desde então essa variável não consta mais nos relatórios das suas pesquisas. Outras dimensões excluídas além da declaração do voto passado dos últimos relatórios do Datafolha foram: religião, partido de preferência e porte do município onde o(a) entrevistado(a) mora. A raça dos entrevistados também não aparece mais na maioria dos relatórios recentes. A seguinte análise sofre então limitações decorrentes dessa perda de transparência em relação ao plano amostral. 

 

1. A distribuição amostral do voto passado dos entrevistados

Na última pesquisa Datafolha que reporta a distribuição amostral do voto de 2018 registra-se uma vantagem de 25 pontos percentuais em votos válidos entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, 15 pontos a mais do que o resultado observado na eleição. Em uma nota técnica divulgada anteriormente1, argumentamos que essa diferença ultrapassa o nível geralmente observado em estudos acadêmicos sobre falhas do vote recall e apresenta uma forte correlação com a trajetória dos indicadores de aprovação do presidente na série histórica do Datafolha.

Em dezembro de 2019, a distribuição amostral do voto válido no segundo turno da eleição de 2018 era 58 – Jair Bolsonaro / 42 – Fernando Haddad. Em abril de 2020, a distribuição amostral da pesquisa mudou para 63 vs. 37 (veja tabela abaixo). A vantagem do Jair Bolsonaro na votação de 2018 não costuma ultrapassar 15 pontos percentuais na composição amostral das pesquisas Atlas, contribuindo para explicar em parte a discrepância entre os resultados das pesquisas recentes. 

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2. Tendência divergente entre eleitores sem resposta para a declaração do voto passado

Como apresentado na tabela acima, a comparação entre dois indicadores correlacionados – rejeição do governo e apoio à renúncia do presidente – mostra uma intensificação da avaliação negativa entre dezembro de 2019 e abril de 2020 para três categorias de entrevistados: eleitores de Jair Bolsonaro, eleitores de Fernando Haddad, e eleitores que declararam voto branco ou nulo. Para uma quarta categoria – entrevistados sem resposta para o voto de 2018 – a dinâmica nos dados reportados no relatório é contrária: a rejeição ao presidente cai 6 pontos (os dados apresentados para esse grupo foram calculados a partir do relatório Datafolha levando em consideração o resultado total, por que o relatório não incluiu os discriminou numa coluna separada)2. Normalmente, seria esperado que a dinâmica dessa categoria seguiria um padrão semelhante aos votos brancos e nulos: é difícil entender por que a rejeição ao presidente cresceria tanto entre seus próprios eleitores e os eleitores do seu oponente, mas ao mesmo tempo cairia para o grupo sem voto declarado. Nos resultados das recentes pesquisas Atlas não observamos uma tendência divergente na reprovação ao presidente em nenhuma categoria de resposta para o voto declarado em 2018. 

A evolução recente dos resultados das pesquisas Datafolha implica que a aprovação do presidente teria atingido mais de 40% em março, já no meio da crise do coronavírus. Uma dinâmica divergente na parcela de 20% da população que não participou da eleição poderia explicar esse fenômeno, mas consideramos essa hipótese improvável dada a magnitude do movimento (aumento de 1/3 da base que apoia o presidente entre dezembro e março).

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3. O patamar da rejeição entre os eleitores do Fernando Haddad e os que não compareceram ou não lembram do voto de 2018

A última pesquisa Atlas traz a seguinte distribuição amostral em relação a pergunta sobre o impeachment do presidente Bolsonaro:

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Datafolha divulgou que 21% dos eleitores do Jair Bolsonaro apoiam o impeachment na última pesquisa, dado muito próximo ao resultado observado na pesquisa Atlas. Na falta de resultados detalhados na divulgação pelo Datafolha, providenciamos a seguinte projeção baseada na distribuição amostral de abril e na evolução observada para entrevistados que declaram ter votado no Jair Bolsonaro na pesquisa de maio:

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A projeção possibilita uma comparação entre as pesquisas Atlas e Datafolha para as categorias de resposta do voto passado de 2018:

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A categoria de resposta com a maior discrepância é observada para o grupo de entrevistados que não compareceram ou não lembram o voto de 2018: o apoio ao impeachment é 90% maior nesse grupo na amostra Atlas que na amostra Datafolha. Infelizmente, sem a divulgação do perfil desses entrevistados pelo Datafolha não podemos especular em relação às causas da diferença observada.  Um aspecto relevante é que esse grupo inclui os eleitores que não tinham ainda 16 anos em 2018. A faixa etária com a maior taxa de rejeição ao presidente Bolsonaro é justamente aquela composta por entrevistados entre 16 e 24 anos de idade, o que reforça a expectativa de que o resultado da pesquisa Atlas é mais plausível. 

 

4. Perfil da taxa de aprovação / rejeição por renda e escolaridade

Geralmente as estimativas por escolaridade e renda são correlacionadas nas pesquisas de opinião conduzidas no Brasil, por conta do próprio perfil dos entrevistados: pessoas com renda maior tendem a ter nível superior enquanto entrevistados mais pobres costumam ter formação de ensino médio ou fundamental. Consequentemente, diferenças sistemáticas entre ricos e pobres são acompanhadas por diferenças semelhantes entre pessoas com e sem formação superior. 

No entanto, a última pesquisa Datafolha traz um cenário distinto: a aprovação do governo cresce com o nível de renda mas cai com o nível educacional dos entrevistados, diferente do padrão observado nas pesquisas Atlas e XP (veja gráfico abaixo):

Avaliação “ótimo e bom” do governo Jair Bolsonaro
[pesquisas divulgadas pela Atlas, XP e Datafolha, maio 2020]

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A correlação inversa entre escolaridade e renda observada na pesquisa Datafolha não aparece nas pesquisas Atlas e XP, que apresentam um padrão semelhante: a aprovação do presidente tem uma tendência de queda nas extremidades das distribuições de renda e escolaridade (entre os menos pobres e menos instruídos e entre os mais ricos e mais instruídos). 

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No caso da pesquisa Datafolha, a correlação inversa entre escolaridade e renda implica um desempenho melhor do presidente entre os mais pobres dos pobres (os que além de ganhar até dois salários mínimos também somente possuem ensino fundamental, o que costuma implicar um grau de pobreza maior). Destacamos que é justamente esse grupo, os mais pobres dos pobres, que é geralmente o mais suscetível a problemas de cobertura em pesquisas telefônicas e com coleta web. 

A suspeita de sub-representação dos estratos mais pobres da população é fortalecida pela evolução da distribuição amostral por grupo racial (veja gráficos abaixo). O percentual de negros na amostra caiu 33% desde dezembro, enquanto o percentual de brancos subiu 20%. O problema principal dessa dinâmica não é a composição final da amostra por grupo racial, apesar de isso também ser preocupante, mas a origem dessa tendência. A dinâmica racial sugere uma sub-representação sistemática dos estratos mais pobres da população. Ou seja, além de sub-representar os negros, a amostra provavelmente sub-representa também os brancos mais pobres, fazendo com que a parcela da população que ganha até dois salários mínimos e representa 55% da amostra da pesquisa não seja representativa da população brasileira para nenhum grupo racial. 

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5. Tendências

Apesar das grandes diferenças de nível observadas entre as pesquisas, as tendências possuem a mesma direção: em relação ao fim do mês de março, as pesquisas Atlas, XP e Datafolha indicam uma deterioração na aprovação do presidente Bolsonaro (veja o gráfico abaixo)3. A pesquisa com a maior queda de aprovação entre março e maio é a pesquisa do Datafolha, apesar da estabilidade do nível de aprovação na série temporal Datafolha em relação a dezembro de 2019.

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1 https://www.atlasintel.org/media/atlas-technical-note-20200408

2 Pesquisa_Datafolha_Pandemia_Avaliação_da_Atuação_do_Governo_Bolsonaro.pdf

3 Datafolha não reportou dados de aprovação do governo na pesquisa de março. Para o objetivo de comparação das tendências, utilizamos o indicador referente à gestão do coronavírus. Igualmente, Datafolha não reportou na pesquisa de março dados referentes ao posicionamento sobre o impeachment do presidente Jair Bolsonaro; foi utilizada a pergunta sobre renúncia.

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